Na edição 84, de 02/04/13, a escolha do Papa Francisco foi o tema de semana:
PAPA
Com ou sem religião, vivemos um momento histórico. Fui provocar meu avô em seu gabinete, no fundo do pátio cheio de plantas:
- E então, Vô? “Habemus papa”, hein?
- Papam, meu rapaz, habemus papam. Este “M” final
denota o acusativo, o caso do objeto direto. Mas não quebre a sua frágil
cabecinha, que o Latim não foi feito para ela e as suas contemporâneas.
- Vou seguir seu sábio conselho, Vô, mas de onde veio esse
título?
- Nos inícios da Igreja Católica ele se aplicava a todos os
bispos; depois passou a designar somente o bispo de Roma. Veio do Grego papas,
“bispo, sacerdote”, uma variante de pappas, “pai”.
- Vem do Latim episcopus, do Grego episkopos, formado
por epi-, “sobre”, mais skopéo, “eu vejo, eu olho”. Enfim, um
supervisor.
- E o arcebispo?
- É do Grego arkhiepiskopos, um bispo com poderes
maiores, de arkhon, “chefe, líder”.
E antes que você pergunte, já vou informando que cardeal deriva
da expressão latinacardinalis ecclesiae romanae, “príncipe, chefe da Igreja”,
de cardinalis, “principal, essencial, chefe”, de cardo, “eixo, peça
ao redor da qual algo gira”, originalmente “dobradiça de porta”. A ideia era
mostrar a importância desse cargo na Igreja. Mas não dá para negar que houve
pelo menos um cardeal com quinze anos.
- Ele devia ser muito competente…
- Tinha um parente muito próximo comandando a coisa. Mas
vamos deixar isso de lado e falar na origem, de outra palavra que anda aí pelos
jornais, o camerlengo.
- Isso me faz pensar em algum tipo de camelo assustador, de
onde vem?
O velho reprimiu uma risada:
- Não é nenhum monstro, não. Veio do Baixo Latim camarlengus, do
antigo Alemãochamarlinc, do Latim camara, aqui significando “fisco,
tesouro público”. Ele é o cardeal que é indicado para supervisionar as finanças
da Igreja e o encarregado de administrar a eleição de um novo Papa através de
um conclave.
Apenas olhei para ele. A gente se conhecia muito bem; ele
prosseguiu:
- Conclave vem da expressão latina camera cum
clave, “quarto chaveado”, literalmente “quarto com chave”. As reuniões para
essa eleição são feitas na ausência de público, para não haver interferências
externas na votação.
- É verdade, Vô, imagine a TV e os jornais acompanhando tudo
na Idade Média…
- Mas nem sempre foi assim. Inicialmente as reuniões
não eram reservadas.
No século XIII, na cidade de Viterbo, na Itália, houve uma
escolha papal que demorou quase três anos. As brigas pelo poder eram tão
intensas que nunca surgia um resultado. Lá pelas tantas, os magistrados da
cidade se incomodaram para valer, trancaram os cardeais no Palácio a pão e água
e se diz até que mandaram remover o teto dele.
O eleito, Gregório X, para evitar situação tão escandalosa,
promulgou leis que até hoje são seguidas nessas ocasiões.
- Puxa, ele foi inteligente. E a história do tal de anel que
se quebra?
- Inicialmente, também lá pelo século XIII, tratava-se de um
anel com sinete em relevo; ele era pressionado contra cera quente, lacre ou
chumbo que se usava para autenticar certos documentos. Esse era um procedimento
comum na época; comerciantes e reis também o usavam.
O anel é destruído após a morte do seu portador seguindo as
tradições que obrigavam a isso para que não se pudesse fazer alguma
falsificação. Há um bom tempo, no entanto, que as autenticações não dependem
desse método.
- O senhor falou em sinete…
- Essa palavra vem do Francês signet, do Latim signetum,
de signum, “sinal”.
- Já vi usarem o título de Pontífice para o Papa,
de onde vem?
- O consenso geral aponta para o Latim, de pons,
“ponte” (originalmente “caminho”), maisfacere, “fazer”. O Pontífice era o
título mais elevado do Colégio Pontifical, sendo considerado a posição mais
alta na religião romana. Isso levou alguns a dizerem que o nome do cargo deriva
do fato de ele fazer uma ligação, uma “ponte” entre as pessoas e as divindades.
A mim parece mais provável que, na visão da época, só uma
pessoa com poderes religiosos elevados é que teria o poder de providenciar
meios de se cruzar os rios, dos quais muitos eram considerados divindades.
- Que complicado…
- Bastante. Para tentar forçar mais algum conhecimento nessa
sua cabeça oca, vou ensinar mais uma origem. Já ouviu falar no báculo papal?
Trata-se de um bastão que é usado por todos os bispos. Ele é longo, mais alto
do que uma pessoa, e tem a extremidade superior recurvada.
Vem do Latim bacculus, “bastão, vara”, e representa o
bastão que os patores usam para tanger os seus rebanhos.
Agora, preste atenção: quando um bispo usa o seu báculo, sua
parte curva é levada apontando para a frente. Exceto quando ele se encontra na
presença do Bispo de Roma, o Papa; nesta ocasião, a curvatura fica para trás,
em sinal de respeito.
- Está cada vez mais complicado, Vô.
- Mas não se preocupe, rapazinho, as possibilidades de você
chegar ao Vaticano não são das maiores, de modo que não precisa perder o sono
por causa disso.
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